quinta-feira, 3 de maio de 2012

Talvez pior que abutres

Dirigido por Billy Wilder, em 1951, o filme “A Montanha dos Sete Abutres”, que em inglês era titulado como “Ace in the hole”, em momento algum nos mostra abutres. Mas exibe entre tanto, muitas das trapaças e atitudes inescrupulosas de um jornalista sensacionalista, de forma à insultar o trabalho com a mídia na década de 50, que é presente infelizmente até nos dias de hoje. Diferente te muitos filmes que Wilder dirigiu, o longa metragem, ainda em preto e branco se assemelha em algumas partes com os tradicionais filmes do cinema western. Embora o protagonista não monte a cavalo, e não participe de duelos com pistolas ou espingardas, o filme se passa no Novo México, e o personagem principal da trama, Charles Tatum, interpretado por Kirk Douglas, é um anti-herói.    

Charles Tatum (Kirk Douglas). Cena do filme
Um tanto quanto frustrado com suas inúmeras demissões, mas muito insistente em sua forma de trabalhar, Charles Tatum, o homem de caráter questionável, vai parar em um pequeno jornal da cidade de Albuquerque, no Novo México. É claro que, entre Nova York e Albuquerque, existem muitas diferenças, não seria diferente em relação às ideologias e forma de trabalhar do pequeno jornal, que tinha logo na entrada de seu estabelecimento uma placa dizendo “Diga a verdade”, o que conflitou muito com Tatum, que vinha de um lugar onde notícia era entretenimento, e quase sempre sensacionalismo.

O desenrolar do filme se dá com Charles Tatum, e o foca do pequeno jornal, indo em busca de um evento qualquer, para uma matéria qualquer, mas que, no meio do caminho, se deparam com um fato um tanto quanto comum para aquela região. Um homem preso por um pequeno desabamento dentro de uma mina, um problema que, se não fosse por Tatum, seria facilmente resolvido. O que para muitos poderia ser apenas uma fatalidade, para os olhos dele, era uma oportunidade de sobressair em cima da notícia, criando mais notícias. Corrompendo o Xerife da cidade, e muitos outros a sua volta, Charles Tatum conseguiu mudar os planos de resgate do pobre mineiro Leo Minosa, para que demorasse cerca de 6 dias a mais, visando a garantia de escandalosas manchetes e a venda de muitos exemplares do jornal, para o qual escrevera. Alegando vasta experiência jornalística, embora nunca tenha presenciado aulas na academia, Charles Tatum que foi um vendedor de jornais se garantia dizendo que, sabia muito bem que tipo de notícia vendia, e durante a trama, faz de tudo para por sua experiência em prática. O acontecimento praticamente se torna um evento, e as notícias entretenimento, todos queriam acompanhar, se não através dos jornais, optavam por olhar com os próprios olhos. Radialistas, redatores de vários outros jornais, parque de diversão, quem pagasse para ver, poderia presenciar e se sentir parte daquilo tudo.

Analisando a seqüência dos fatos, não fica difícil encontrar os vários lados da história nada honrosa da mídia, no que diz respeito a valorizar a ética e os valores humanos, antes de pensar em vender notícias e criar tempestades em copo d’água, apenas para garantir notoriedade e grandes números de tiragem.

No entanto, o filme expõem também o lado da população, que quando passiva, de fato  pode realmente ser manipulada sem muito esforço, principalmente no que diz respeito ao sentimentalismo presente em apelativas manchetes. Mas ainda assim, “A montanha dos sete abutres” mostra que também é possível encontrar, embora em menor escala, o lado positivo, e fiel aos princípios da formação do profissional de Jornalismo, características essas que, são muito bem representadas pelo editor chefe do Jornal de Albuquerque, o Sr. Boot, que além de desvendar todo o mistério por traz dos equivocados artigos de Tatum, prefere ver seu jornal com pouca notoriedade, do que vendendo muito, porém com informações de caráter duvidoso, ou geradas através de uma farsa. 
   
Através deste filme, Billy Wilder que já foi um jornalista, pode expressar seu ponto de vista, carregado de críticas a mídia da época, que não se diferencia em quase nada com a mídia de hoje. Charles Tatum não representara apenas um tipo de jornalista, mas um tipo de ideologia, ou a ausência de. A mensagem é simples, e tão pouco tem haver com a profissão em si, vem fácil, vai fácil, tudo o que da errado, por um segundo pareceu fácil, e para Tatum não foi diferente. Leo Minosa morreu graças a vontade de Tatum em se promover, que morreu sem entender, que vender nunca será mais importante do que noticiar a verdade. 


Lucas Jacinto 

Nenhum comentário:

Postar um comentário